Texto de Laura Sequeira Flalé

Catarina Leitão
Laura Sequeira Falé

Em 1952 o artista plástico Marcel Duchamp disse que tudo o que fez de importante poderia caber numa pequena mala. Não foi uma declaração de modéstia vinda de um dos mais importantes artistas do século XX, nem uma metáfora sobre a importância da sua produção plástica. É que em 1936, 16 anos antes desta declaração, Duchamp havia construído uma mala de couro contendo 69 reproduções dos seus trabalhos mais importantes, apresentados como miniaturas. Este pequeno museu portátil, intitulado de ou par Marcel Duchamp ou Rrose Sélavy (La Boîte-en-valise) [1], é como um desdobrável do seu trabalho em que cada reprodução em miniatura reflete os pontos de viragem mais importantes da sua obra plástica. Esta mala é em si mesma uma obra de arte feita de obras de arte, obsessiva e meticulosamente reproduzidas.

Catarina Leitão também apresenta nesta exposição um Museu Portátil, uma série que tem vindo a trabalhar desde 2012. O seu Atelier Portátil, iniciado em 2013 e em permanente atualização consoante as necessidades, está equipado com rodas para ser transportado para o meio do campo. Desta forma a artista terá à sua disposição todos os materiais necessários, inclusive uma tenda para se recolher como forma de compensar uma eventual falta de abrigo na natureza. Cada objeto dentro deste Atelier Portátil é em si próprio um trabalho, seja absolutamente construído pela artista, como é o caso da Escala de Verdes, um rolo com um gradiente de verdes que assiste a pintora na escolha do tom necessário, ou acrescentado ao carrinho para comodidade na tarefa, como uma lupa, uma prancheta que também é tampa, ou um banco desdobrável.

Talvez este Atelier Portátil seja o trabalho mais esclarecedor para podermos pensar a obra de Catarina Leitão. O atelier não é uma mala fechada que se desdobra em miniaturas de trabalhos, mas uma casa nómada, ela própria uma obra central que permite criar outros trabalhos, ocupando o espaço mínimo indispensável para que se possam concretizar. A preocupação com o espaço que ocupa, a relação com a Natureza e a luta permanente entre aquilo que é natural e artificial, condicionado pela cultura e humanidade são temas recorrentes no seu pensamento plástico.

Os objetos que ajudam a artista a afinar a sua visão da natureza também despertam o seu lado científico. A série Systema Naturæ (2011) é um conjunto de desenhos científicos de espécies inventadas que Catarina Leitão não só desenhou, como concebeu os nomes segundo o método hoje universalmente aceite na atribuição do nome científico a espécies. O desenho científico é em si uma forma de desmontar a espécie para que possamos analisá-la de maneira a extrairmos dela a máxima informação possível. Como extrair a máxima informação possível de uma espécie inventada, que só existe porque Catarina Leitão a desenhou e nomeou? E que diferença real há na forma de nos relacionarmos com as espécies apresentadas em Naturæ e com aquelas que só podemos ter acesso em livros?

Numa das salas, a artista apresenta uma escultura, Dendrograma, 2016. Ramos arrumados dentro de um saco de pano, que parecem pesados e construídos em ferro, são de facto ramos de árvore pintados, que nos confundem quanto ao seu peso, quanto à sua estrutura interna, quanto à sua composição. Catarina Leitão trabalha neste espaço estranho entre o real e o imaginário, o leve e o pesado, entre a natureza selvagem e a manipulação humana, mas sobretudo trabalha sobre o desejo de querer manter por perto aquilo que lhe é indispensável. Continuando o seu caminho, Catarina Leitão descarta o acessório e certifica-se que o núcleo duro, sempre em mudança, existe ao seu alcance.

Laura Sequeira Falé
Lisboa, Junho de 2019

 

[1] Uma destas Boîte-en-valise existe em Portugal e está em exposição no Museu Coleção Berardo.